
meu coração na bandeja
Sobre
[Atualmente, tô aprendendo a me desfazer de narrativas e historinhas sobre meu caminho até aqui. Mas entendo que elas ainda são importantes pra mim e talvez também pra ti, então fiz o esforço de organizar elas aqui, da maneira mais honesta que sabia.]
Sempre fui algumas coisas e algumas outras fui me tornando no caminho. Cresci sendo a única filha mulher no meio de quatro irmãos homens, sempre fui muito observadora e atenta, sempre fui corajosa, sempre fui conversadeira. Sempre fui filha do milagre, desejada e celebrada no colo de uma mãe berço de amor e presença, com ensinamentos budistas no café da manhã e uma intimidade ancestral com a vida e a morte. Sempre fui filha de um pai presente e provedor de recursos e estrutra emocional, empenhado politicamente na construção de um mundo mais justo. Sempre fui filha do encontro entre dois mundos aparentemente opostos, unidos pela música e pelo amor, e destes dois ingredientes poderosos, nascemos eu e meu irmão. Sempre estive a serviço da integração entre masculino e feminino, entre mundo sutil e material, sempre fui fazedora de pontes.
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Fiz faculdade e mestrado em Letras no Rio de Janeiro e lá me tornei professora. Depois, me tornei gestora executiva de projetos nas áreas da cultura e da educação. Fui mãe e passei um ano com celular desligado. Ali voltei pra escola em que estou até hoje: a de enxergar o mundo atravessada pela experiência de se reinventar a partir desta radicalidade chamada maternidade.
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Desde então, para me tirar de casa e de perto dos meus filhos, enquanto a vida me exigia pagar boletos, eu exigi dela todo o sentido e o alinhamento de que fui capaz nos trabalhos em que estive liderando. Empreendi um negócio social de slings para mulheres mães terem as mãos livres (Mamuska), liderei o posicionamento e as parcerias do Istituto Europeu di Design (IED Rio de Janeiro), no Antigo Cassino da Urca, lá eu conheci e me encantei por muitas iniciativas de outras economias, onde conheci o Sistema B, onde trabalhei na equipe executiva Brasil por dois anos liderando o Rio+B e outras iniciativas da rede. No Sistema B Brasil eu reuni novas narrativas, sustentabilidade, inspiração e liderança e me reconheci muito do que sou hoje. Mas o Sudeste, com seu rolo compressor de moer gente, me apertou até que eu desistisse - desisto fácil.
Voltei pra casa, em Fortaleza, priorizando minha saúde emocional e meus filhos, que ainda exigiam minha presença e disponibilidade: um trabalho cuja conta não fechou pra mim no Sudeste. No Ceará liderei a execução de uma política pública sobre parto humanizado na Secretaria de saúde, em seguida atuei durante seis anos com consultorias para mulheres em organizações. Desta experiência está nascendo meu primeiro livro Liderança materna, em que conceituo tudo o que acredito sobre organizações, liderança, sustentabilidade, mulheres e maternidade.
Mais uma vez por causa dos meus filhos, estou vivendo atualmente fora de Fortaleza, escrevendo e atuando remotamente apoiando mulheres a ocuparem seus lugares no mundo.
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[se você quiser ler em mais detalhes, conto quase tudo o que sei aqui embaixo]

infância
Nasci e cresci em Fortaleza, no Ceará, filha de mãe hippie e pai comunista, com uma forte relação afetiva com o mar e com o profundo sertão cearense, pra onde eu fui em todos os finais de semana, feriados e férias escolares, sem luz elétrica e sem água encanada, até meus 15 anos.
Sou a única filha mulher em meio a 4 irmãos homens.
Estudei a vida toda numa escola sem provas e sem uniforme, focada em formar cidadãos atuantes em prol da VIDA próspera na Terra [Escola Vila, em Fortaleza, Ceará, Brasil].​
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[crédito da foto: Flávio Torres, meu pai. Nela, eu e meu irmão, Ricardo]
juventude
Morei na Itália dos 15 aos 19 anos, acompanhando minha mãe num doutorado, larguei um pedaço do meu coração por lá, qualquer dia ainda vou buscar.
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Com vinte anos, fui embora de Fortaleza para o Rio de Janeiro, por amor e sede de mudança. Fiz faculdade de Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com ela aprendi a estudar qualquer coisa que me interessasse e aprendi a sustentar beleza e encantamento com tudo o que for humano.
Fiz mestrado em Literatura italiana na mesma universidade, com uma dissertação sobre Beppe Fenoglio e a literatura da Resistência italiana durante a Segunda Guerra, orientada pelo professor Marco Lucchesi.
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Sempre pensei que seguiria carreira universitária, mas fui reprovada na seleção do doutorado. Foi injusto, ilegal e desleal, foi por vingança, recalque e mesquinhez, coisas que infelizmente a Universidade conhece bem, mas eu recebi como um recado da vida e me despedi, encerrando minha curta e promissora carreira universitária. Essa era a única carreira que eu conhecia, fiquei sem planos para minha vida profissional e nunca mais construí um, para minha imensa sorte.


vida - morte - vida
Vivi um luto avassalador aos 23 anos, com ele, aprendi a manusear a morte entre as mãos e no coração. Aprendi a separar joio e trigo. Aprendi essência e desimportância. Lembrei de lembrar um paradigma de sucesso que alinhava as experiências de minha infância no sertão, as lições de uma mãe budista e meu coração agora desperto.
Aos 30 anos recebi o maior presente desta vida, minha filha Clara. Com ela e por causa dela, tudo mudou e segue mudando. Reaprendi a alegria, me lembrei do silêncio criador da vida e aprendi a manusear a VIDA entre as mãos e no coração, aprendi um estado solene de presença amorosa e bondade.
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Depois da maternidade, a crise profissional virou minha companheira, como conciliar maternidade e o mundo do trabalho? Mesmo com tantos privilégios, eu sempre trabalhei para pagar meus boletos. Por isso, e por conta de cada nova crise, eu fui atualizando meu trabalho junto com meu coração.
Como mãe de bebê pequeno, eu precisava sair de casa para ser muito efetiva no uso do meu tempo e precisava garantir que meu serviço fosse de fato melhorar algo no mundo, nas causas que tocavam meu coração. Deixar minha filha por pouco tempo para isso, podia até ser. Para menos do que isso, me parecia insuportável.
Em 2014 empreendi um negócio de impacto de sligns para bebês e fiz formação com Heloísa Lessa, durante 9 meses, para ser doula (ainda atuo voluntariamente); Em 2015 me separei e fiz formação presencial em Sustentabilidade no Gaia Education Rio de Janeiro; Nos anos de 2016 e 2017 vivi profundamente as desconstruções das outras economias, principalmente as da desescolarização e da Comunicação não violenta. Também me envolvi em muitas iniciativas colaborativas no Rio de Janeiro pré Olímpico. Em 2016 fui trabalhar no Sistema B, apoiando empresas que promovessem impactos socioambientais positivos no mundo, lá eu fiz uma escola de liderança e uma formação em futuro dos negócios, saí de lá pronta para usar a minha voz a serviço das grandes transformações que precisamos promover no mundo.
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[créditos da foto: Pietro Baroni]

a maternidade como norte
Com tudo isso no currículo e no coração, aos 35 anos, o sucesso me soava falido, masculino, elitista, branco, hétero, e por tudo isso, insustentável. Eu viajei demais e sempre que voltava pra casa minha filha adoecia, o recado era nítido, mas abandonar o sucesso, por mais insustentável que fosse, era impensável.
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Fiz as malas, agarrei a filha e fui de férias pra casa da minha mãe, na beira da praia no Ceará, encarar a crise de frente. Chorei três semanas sem dormir e pedi que a vida me mostrasse o caminho: ela mandou um trabalho para construir política pública sobre parto humanizado, com o maior salário da minha vida: era uma resposta. Decidi largar 15 anos de vida e trabalho no Rio de Janeiro e mais uma vez mergulhar em busca de uma maternidade mais sustentável, de volta pra casa, no Ceará.
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Voltar pra casa era escolher um ritmo de vida mais lento, parar antes de pifar, fazer menos para viver mais, correr menos para sentir mais, redefinir o conceito de sucesso de fato em minha vida, alinhar mais uma vez minha maternidade aos meus valores e à minha segunda-feira de manhã. Mas era também desistir de muita coisa que eu amava, principalmente os parceiros de trabalho, e, o mais difícil, eu saí de cima de um palco - literalmente - , para ser invisível e desconhecida, em silêncio, por muitos anos.
Foram sete anos em Fortaleza, ao longo deles eu pude cuidar de muitos aspectos da minha relação com meus pais, me casei com o amor da minha vida, Enrico Rocha, e tive meu segundo filho Tom, que nasceu em nossa casa de parto natural. Passei a ter uma vida afetiva online, melhores amigas longe, colegas de fora, conheci processos colaborativos entre mulheres online, voltei a cantar e a escrever, fiz amizade comigo e com o silêncio. Apresentei programa de TV e criei meu Podcast. Na terceira noite mais potente da minha vida [as outras duas são os partos dos meus filhos], subi num palco cheio de verdade e cantei um show lindo com as músicas do Sertão de Fausto Nilo.
Em casa, eu trabalhei sempre como autônoma, apoiando iniciativas, organizações e negócios a alinharem seus valores ao que o mundo precisava delas. Tive a sorte de atuar sempre com e para mulheres e entendi que dali em diante seria assim. Nestes anos, também aprofundei muito minhas investigações espirituais, percebendo, aos 40 anos, que meu coração estava pronto para ocupar um lugar autoral no mundo.
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Do silêncio e da invisibilidade da maternidade no Ceará, onde a vida profissional era feita de muitos aprendizados sobre invisibilidade e alguns mais sobre mulheres em organizações, está nascendo o meu primeiro livro, Liderança Materna.​
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[créditos da foto: Enrico Rocha, dia desses, num banho de mar de lua cheia]
